Título: Herdeiras do Mar
Autora: Mary Lynn Bracht
Editora: Paralela
Classificação indicativa: adulto
Gênero: Romance Histórico Contemporâneo
"Às vezes, velhas feridas precisam ser reabertas
para serem curadas de maneira adequada."
Esse livro me foi indicado por uma professora muito querida durante nossas discussões sobre a Coreia do Sul, e também na quarta live da minha série Koreia Pop no Instagram, que falamos sobre as mulheres coreanas, e essa belíssima narrativa veio à tona ao comentarmos sobre o caso das mulheres de conforto coreanas, uma ferida profunda até os dias de hoje para a Coreia.
Entre capítulos que viajam entre o passado e o presente, a história conta a trajetória das irmãs Hana e Emi, nascidas na ilha coreana de Jeju, e filhas de uma família de pescadoras (isso mesmo, pescadoras), mulheres que tem uma tradição de sustentarem suas casas com o que o mar lhes provêm. Entretanto, nem mesmo este paraíso se livra da conquista japonesa, e ao poucos essas pessoas, como o restante dos coreanos no continente, não conseguem mais escapar da opressão do conquistador. Impostos a serem pagos, casas invadidas, e o pior para as mulheres: o rapto de jovens coreanas para servir ao exército coreano como escravas sexuais.
E uma das vítimas destes raptos foi a irmã mais velha Hana, que se sacrifica para que sua irmã mais nova não sofresse este destino. Então, a narrativa começa a acompanhar o caminho dela, dos trens que transportavam essas crianças, jovens mulheres para satisfazer soldados sexuais, das casas de conforto, que eram prostíbulos, até a Manchúria, próxima à Mongólia. Ao acompanharmos este trajeto, entendemos o porquê de tal atitude do Japão até hoje quebra relações entre a Coreia. A história das mulheres de conforto é revivida por Hana, e recontada de forma visceral, ao ponto de sensibilizar os leitores, principalmente as leitoras, que entendem mais profundamente as dores como mulheres.
Ao retornar ao presente, temos a velha Emi, outrora a irmã mais nova protegida, buscando sua irmã, tentando descobrir se ela ainda está viva, após sonhar com ela por anos de sua vida. Ela então frequenta manifestações das antigas sobreviventes do período imperialista e mulheres de conforto, buscando um rosto familiar. Perguntar pelo nome de Hana não adianta, pois os nomes das garotas eram mudados nos prostíbulos, e logo nunca se sabia quem de fato eram, suas identidades e famílias.
Além disso, o passado de Emi também não é fácil durante o período de separação das Coreia em Norte e Sul, e como uma mulher também foi usada de forma política e violenta, o que desestabilizou sua relação com os filhos, que não conheciam a mãe nem entendiam sua busca por um elo sanguíneo que a muito lhe faltava.
Mais do reviver as mulheres de conforto de forma digna e necessária para que elas não sejam esquecidas, mas sim respeitadas e consideradas um ponto histórico que precisa ser revisado para então ser curado, abordando presente e passado de dois lados de uma mesma narrativa, o livro também demonstra como as mulheres coreanas foram peças fragilizadas na história de seu país, mas que hoje vem buscando se reerguer, mesmo quando ainda doem lembranças, memórias, feridas na identidade e no reconhecimento de si mesmas.
Recomendo a leitura para os fortes, e corajosos, que entendem que não se pode inocentar nações de suas culpas em guerras contra civis. A história deve ser conhecida para não ser repetida, e curada.
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