FICHA TÉCNICA:
A FILHA DO REI
Nacionalidade: Estados Unidos
Direção: Sean McNamara
Gênero: Fantasia
Lançamento: 2022
Elenco: Pierce Brosnan, Kaya Scodelario, William Hurt
Achei que nunca encontraria um filme de teor histórico que me revoltasse ao ponto de considerar o pior de todos. Mesmo com erros grotescos, acidentais (que vi na adaptação de "Os Três Mosqueteiros" de 2011) ou propositais (como ocorre em "Maria Antonieta" de Sofia Copolla, ou "Corsage" de Marie Kreutzer), algumas produções dão para engolir e entender a narrativa, porém...
"A Filha do Rei", produção de 2022, que conta com um elenco incrível (só o Pierce Brosnan como Luis XIV me deu esperança), peca em um enredo sem sentido e erros absurdos de História, Geografia, Biologia, Física e Moda. Mas antes de eu apontar cada um deles, vamos ao enredo:
O filme, que é um adaptação do livro "The Moon and the Sun", da autora estadunidense Vonda McIntyre, traz a história de Marie-Josèphe, uma jovem que cresceu aos cuidados de um convento, e posteriormente é levada para Versalhes, com a desculpa de ser a nova musicista do Luis XIV. Porém, no decorrer da narrativa, ela descobre que, na verdade, ela é filha do rei Sol. Enquanto isso, o monarca tem buscado uma forma de sustentar seu reinado, almejando a imortalidade, que seu médico supõe ser possível com o coração de uma sereia.
Então, uma expedição é feita para a captura de uma sereia mágica do reino de Atlântida. O marinheiro Yves se torna responsável não apenas em trazê-la para Versalhes, como também mantê-la viva para depois ser sacrificada para que sirva ao propósito real. Nesse tempo, a criatura se comunica musicalmente com Marie-Josèphe, que acaba se aproximando do rapaz e também tentando libertar sua nova amiga mágica, além de sua buscar sua própria liberdade de um casamento imposto pelo rei para recuperar os cofres públicos.
Achou o enredo confuso? Pois é, eu também. Mas se fosse só isso, a falta de um foco na narrativa, eu parava por aqui. Porém minha estranheza seguiu até o final da história que se abre como um livro da Disney para falar de uma de suas princesas.
Além da história sem sentido (por quem Luis se apaixonou? Por que deixou a filha no convento? Que maluquice é essa de sereia? E seu ego subestimado pelo padre?), outros pontos tornam tudo mais bizarro:
- Por exemplo, o padre ser a figura racional e o médico ser o crente nas lendas de sereias como a solução, e dizer que essa descoberta era uma evolução. Aliás, esse mesmo médico que se dizia evoluído, preferia amputar um braço que fazer uma simples tala!
- Luís XIV era muito mais egocêntrico e não tinha mais um padre como primeiro ministro desde que Mazarini morreu, quando o rei ainda era jovem. Ou seja, sem chance do padre ser uma figura de influência sobre o rei Sol.
- E falando em evolução, as mulheres da época tocavam instrumentos como harpas, violinos e cravos, mas violoncelo jamais seria tolerado, pela abertura das pernas necessária para comportar o instrumento.
- Como um filho de um grande negociante se torna nobre e tem dinheiro o suficiente para casar com a filha do rei e pagar as contas do estado? As contas definitivamente não batem!
- O minueto foi razoável, mas ainda assim achei com muitos rodopios para a época.
- O filme coloca Versalhes como um local próximo do mar, sendo que demora quase 4 horas para chegar a costa norte da França, isso de trem. De cavalo, provavelmente um dia.
- O figurino que em momentos me lembravam os anos 1920, e depois o período de 1800, com caimento leve, cabelos curtos, sem perucas e espartilhos - tudo o que tinha no regimento de Luís XIV foi ignorado!
- E os lugares que foram construídos posteriormente durante o reinado de Luís XVI presentes em 1600? Colocaram a vila camponesa de Maria Antonieta como uma hospedaria para os marinheiros, e pontos de arquitetura, como o Tempo do amor, ao melhor estilo rococó, perdidos no contexto. Aliás, a “caverna” que a sereia fica não tem aqueles corais internos.
- E falando em encanamentos, o encanamento de Versalhes não desemboca no rio Sena, e muito menos o rio Sena deságua de um pico, mas sim em Havre, a nordeste, perto do Canal da Mancha.
Essas falhas deixam o filme sem sentido, e grotescamente sem nexo com o contexto em que foi inserido - isso é, a corte de Luis XIV. Poderiam ter colocado de forma mais aleatória um monarca e uma princesa aprisionada, que o estilo contos de fadas seria mas plausível. Considerá-lo um drama histórico é ofensivo. É 100% fantasioso. E é ai que me quebra: por que tentar ser o que não é?
Sim, é possível trazer elementos descontextualizados quando planejados, como citei anteriormente em alguns filmes, para "modernizar a história" ou mesmo dar um teor mais crítico ou artístico (como colocar um all star na cena de prova de sapatos de Maria Antonieta). Porém, se mantêm os vestidos da época, os cabelos, a linha do tempo... Se respeita o mínimo.
Mas este filme conseguiu ir além e até mesmo a cidade mítica de Atlântida virou uma Las Vegas submarina. E a frase clichê no final "Só o amor é imortal" (meio Sandy e Júnior), com certeza me deixou revoltada como alguém achou esse roteiro possível de ter sucesso. E vejam bem: não ofendo o livro que não li, mas essa adaptação também conseguiu ser a pior que já assisti sem nem saber a história original.
Enfim, esta crítica saiu como um desabafo da indignação após assistir este filme, que poderia ganhar muito bem um tom de Contos-de-Fadas, sem tanto investimento (40 milhões de dólares eu acho muito caro para algo tão ruim) e mais fantasioso sem mencionar cenários e personagens reais. Ficaria mais palatável. Agora este resultado, é no mínimo questionável.
Quem quiser assistir, tem no Telecine e YouTube, mas desta vez, eu não indico.
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